A luta das escolas do campo da região do vale do Jequitinhonha

Parceiro: Olhares do Campo20/11/2017

Dando continuidade à publicação do dossiê Embates na Publicação Pública em 2016, segue abaixo o terceiro texto do material: A luta das escolas do campo da região do vale do Jequitinhonha. Produzido por graduandos da Licenciatura em Educação do Campo – UFVJM, é uma análise do processo de tentativa de fechamento de escolas de comunidades do município de Diamantina. O material contém dados informativos a respeito de leis e procedimentos que podem auxiliar profissionais da educação que porventura vivenciam processo semelhante.

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A luta das escolas do campo da região do vale do Jequitinhonha

Eni Elizabete Marques Ribeiro, Katiane da Cunha Ribeiro, Pablo Bedmar Soria, Valdeci Raimunda Fernandes.

 

 

 

As Leis

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no seu Artigo 205, garante a educação universal1 e, no Artigo 206, divulga uma série de princípios em que a educação deveria seguir como base, destacando entre eles a “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola” (BRASIL, 1988). Direitos esses que se veem refletidos igualmente no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, em seu Artigo 53 (BRASIL, 1990).

Foi a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN – Lei 9.394/1996) que a escola do campo teve sua regulação2. De acordo com a LDBEN, a base nacional comum da educação infantil, ensino fundamental e ensino médio será complementada pelas características regionais e locais da sociedade, pela cultura e a economia dos educandos. Com o decreto 7.352/2010 – Política de Educação do Campo e PRONERA, no seu Artigo 1º, se garante a formação e os recursos para a educação das populações do campo3. Com a Lei 13.005/2014, é aprovado o Plano Nacional de Educação – PNE. Este, no seu Artigo 8º, obriga que os estados, o Distrito Federal e os municípios “considerem as necessidades específicas das populações do campo e das comunidades indígenas e quilombolas, asseguradas a equidade educacional e a diversidade cultural” (BRASIL, 2014).

Como metas e estratégias do PNE, destacaremos as que se referem à garantia de atendimento às necessidades de expansão das redes públicas de ensino e às especificidades socioculturais das populações do campo e à garantia de qualidade, considerando as peculiaridades locais, o atendimento das populações do campo e das comunidades indígenas e quilombolas (BRASIL, 2014)4. Na Resolução SEE 2820/2015, no estado de Minas Gerais, se prioriza a oferta de educação nas próprias comunidades rurais e, ante a nucleação, garante a participação das comunidades na tomada de decisões, salvaguardando o diálogo, o respeito, os valores e a cultura das comunidades atendidas (MINAS GERAIS, 2015)5.

Essas leis efetivamente consideram as necessidades das populações do campo, como pontuam Mariano e Sapelli (2014, p.14): “a permanência dos sujeitos no campo está intimamente relacionada a várias questões: a possibilidade de produzir renda, a possibilidade de realizar anos de escolarização e outros”.

A realidade

Figura 1 – Diminuição do número de escolas do campo no Brasil – 2003-2013

Fonte: Cacian (2014).

Segundo Ferreira e Brandão (2012), as autoridades municipais escolhem a nucleação para economizar salários, mas penalizam os alunos com uma escola que não dá conta das diversidades, contando com um transporte escolar de pouca qualidade que, em muitos casos, atravessa longas distâncias de estradas malcuidadas. Junto a essas motivações econômicas, não podemos ignorar que, como diz Arroyo (1991):

a negação do saber interessou sempre à burguesia que vem submetendo o operariado ao máximo de exploração e de embrutecimento. Interessou ao Estado excludente que prefere súditos ignorantes e submissos (p.12).

Assim, concordamos com Cavalcanti (2013, p. 136), que pontua que a legalidade não efetiva o direito. Como resultado dessas contradições, as estatísticas são preocupantes, uma vez que a redução de escolas rurais no Brasil tem avançado. Brandão e Ferreira (2012) analisam os dados do INEP entre 1991 e 2010 para concluir que os recursos não foram aplicados de forma politicamente correta, concentrando políticas educacionais próximas aos centros dos municípios em detrimento das periferias e do campo6. Podemos observar nas estatísticas publicadas pelo Censo Escolar-MEC/INEP (2015) que o número de escolas foi reduzido em 3.296 no ano de 2013 e em 4.084 no ano de 2014; em oposição ao crescimento do número de escolas em áreas urbanas7.

Figura 2 – Diminuição do número de escolas do campo no Brasil – 2014

Fonte: MST (2015).

As consequências.

O processo de fechamento de escolas rurais, segundo Brandão e Ferreira (2012), vem associado à evasão escolar, entre outros graves prejuízos contra a identidade cultural, aprendizagem dos alunos e desenvolvimento cognitivo8. Tudo isso se soma à precariedade nos transportes escolares rurais e às grandes distâncias entre comunidades e escolas. Dentre outros aspectos, muitas escolas têm sido fechadas sem sequer tenha se promovido uma audiência pública com a comunidade interessada, o que fere frontalmente a legislação. Percebeu-se, no diálogo com comunidades que enfrentaram a situação, que há um amplo desconhecimento do marco legal que orienta e disciplina a educação do campo hoje no Brasil9.

Um exemplo desse processo foi a tentativa de fechamento dos cursos finais do ensino fundamental da escola Municipal Ana Célia de Oliveira em Mendanha, da Escola Municipal na comunidade de Maria Nunes e da Escola Municipal da Sopa, todas situadas em distritos do município de Diamantina – MG. Em resposta a essa situação, as comunidades se mobilizaram no objetivo comum de resistir à nucleação e ao fechamento. A partir disso, descobriu-se que a Secretaria Municipal de Educação descumpriu as leis ao tomar decisões sem consulta pública, o que atingiu muitos alunos das áreas rurais que tiveram que se deslocar para um centro urbano.

A reflexão e a proposta de luta

Como resultado dessas experiências e dificuldades, surge uma urgência por sistematizar as experiências bem-sucedidas a serem reproduzidas em comunidades que sofreram e sofrem com a nucleação. Conforme resume Dias (2007, p.441), nós consideramos que “a educação se insere no conjunto dos chamados direitos fundamentais (…) o direito à educação pertence a todos os indivíduos”. Cavalcanti acrescenta que isso significa colocá-la como parte integrante da dignidade humana, pré-requisito à liberdade civil e para o exercício de outros direitos, os quais justificam a luta dos camponeses por políticas públicas específicas que interferem na efetividade desse direito. Seriam exemplos disso a reforma agrária, o reexame dos aspetos legais do direito à educação e a forma que esta se faz acontecer, entre outros. Para o autor, é necessário, nesse contexto, considerar “os déficits históricos, da educação dos sujeitos do campo e suas especificidades de sujeitos determinados histórica, étnica e culturalmente” (CAVALCANTI, 2013, p. 136).

Em concordância com Rabenhorst (Apud CAVALCANTI, 2013, p. 139), já que as leis por si só não garantem o direito à educação, mesmo tendo instituições responsáveis por sua aplicação, são necessários também outros instrumentos extrajurídicos resultantes do poder social. A respeito desse ponto, assumimos a tarefa de concluir o presente texto com uma breve compilação de sugestões que possam ser instrutivas contra práticas de nucleação das escolas do campo:

  1. Mobilização da comunidade, reuniões informativas das leis e planejamento de passeatas e atos públicos.

  2. Parcerias com Licenciaturas em Educação do Campo das universidades da região e/ou com outras instituições capazes de dar apoio legal como, por exemplo, a FETAMG (Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais).

  3. Denúncia ao Ministério Público.

  4. Reunião com o legislativo (Câmara Municipal) e o executivo (o prefeito) da localidade.

  5. Manifestações públicas em diversos espaços, como na Câmara Municipal.

  6. Assembleia geral com a comunidade com socialização de informações e tomadas de decisões.

Referências

ARROYO, Miguel G. (Org). Da escola carente à escola possível. 4. ed., São Paulo, Loyola, 1991.

BRANDÃO, Elias Canuto; FERREIRA, Fabiano de Jesus. Educação e políticas de fechamento de escolas do campo. Rede Estudos do Trabalho. 2012. Disponível em <www.estudosdotrabalho.org/texto/gt1/educacao_e_politica.pdf>. Acesso em: jan. 2017.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

BRASIL. Lei nº 9.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília, DF. 1990. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm>. Acesso em: jan. 2017.

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, DF: Casa Civil, 1996.

BRASIL. Resolução CNE/CEB nº 4, de 13 de julho de 2010. Define Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica. Brasília, DF: MEC, 2010.

BRASIL. Decreto nº 7.352, de 4 de novembro de 2010. Dispõe sobre a política de educação do campo e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA. Brasília, DF: Casa Civil, 2010.

BRASIL. Lei nº 11.645, de 10 de Março de 2008. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena. Diário Oficial da União, Brasília, 11 mar. 2008. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm>. Acesso em: jan. 2017.

BRASIL. PEC nº 55, de 19 de dezembro de 2016. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getTexto.asp?t=201940>. Acesso em: jan. 2017.

BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação – PNE e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm>. Acesso em: jan. 2017.

BRASIL, Ministério da Educação. Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo. Resolução CNE/CEB n° 1, de 3 de abril de 2002.

CACIAN, Natália. Brasil fecha, em média, oito escolas por dia na região rural. Da folha de São Paulo. Disponível em http://www.mst.org.br/node/15809 Acesso em 7 de junho de 2014.

CAVALCANTI, Cacilda Rodrigues. A educação do campo sob a ótica dos direitos humanos. In: __________; COUTINHO, Adelaide Ferreira (Org.). Questão agrária, movimentos sociais e educação do campo. Curitiba: Editora CRV, 2013.

CURY, Jamil. Políticas inclusivas e compensatórias na Educação Básica. Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 124, p. 11-32, jan./abr. 2005.

DIAS, Adelaide Alves. Da Educação como direito humano aos direitos humanos como direito educativo. In DIAS et AL. Educação em direitos humanos: fundamentos teórico-metodológicos. Brasília: MEC / SEDH / SECAD. 2007.

INEP. Sinopses Estatísticas da Educação Básica. Disponível em <http://portal.inep.gov.br/sinopses-estatisticas>. Acesso em: jan. 2017.

MARIANO, Alessandro Santos; SAPELLI, Marlene Lucia Siebert. Fechar escola é crime social: causas, impacto e esforços coletivos contra o fechamento de escolas no campo. 6º Seminário Nacional. Estado e Políticas Sociais, 2º Seminário de Direitos Humanos. Capitalismo Contemporâneo Na América Latina: Políticas Sociais Universais? 15 a 18 de setembro de 2014 – Unioeste – Campos de Toledo, PR. 2014.

MARINO, D. J; CORDEIRO, T. G. B. F. A educação do campo no plano nacional de educação. Anais do V Simpósio Internacional VI Simpósio Nacional de Geografia Agrária, Belém do Pará, MEC/ INEP. Indicadores demográficos e educacionais. Disponível em <http://ide.mec.gov.br/2011/estados/relatorio/uf/33>. Acesso em 22/11/2011.

MINAS GERAIS, Resolução SEE nº 2820/2015 Institui as Diretrizes para a Educação Básica nas escolas do campo de Minas Gerais. 2015. Disponível em: <https://www.educacao.mg.gov.br/index.php?option=com_gmg&controller=document&id=15992-resolucao-see-n-2820-2015&task=download>. Acesso em: jan. 2017.

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PERIPOLLI, Odimar João; ZOIA, Alceu. O Fechamento das Escolas do Campo: O anúncio do fim das comunidades rurais/camponesas. Disponível em: <http://projetos.unematnet.br/revistas_eletronicas/index.php/educacao/article/view/435/273>. Acesso em: jan. 2017

RABENHORST, Eduardo. O que são direitos humanos. Disponível em <http://www.redhbrasil.net/documentos/biblioteca_online/modulo1/1.o_q_sao_dh_eduardo.pdf>. Acesso em 16//10/2010 apud CAVALCANTI, Cacilda Rodrigues. A educação do campo sob a ótica dos direitos humanos. In: __________; COUTINHO, Adelaide Ferreira (Org.). Questão agrária, movimentos sociais e educação do campo. Curitiba: Editora CRV, 2013.

1 “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988).

2 Artigo 28: Na oferta da Educação Básica para a população rural, os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida rural e da região, especialmente:

I – Conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural;

II – Organização escolar própria, incluindo adequações do calendário escolar s fases do ciclo da agrícola e as condições climáticas;

III – adequações a natureza do trabalho na Zona Rural (BRASIL, 1996).

3 § 4º A educação do campo concretizar-se-á mediante a oferta de formação inicial e continuada de profissionais da educação, a garantia de condições de infraestrutura e transporte escolar, bem como de materiais e livros didáticos, equipamentos, laboratórios, biblioteca e áreas de lazer e desporto adequados ao projeto político-pedagógico e em conformidade com a realidade local e a diversidade das populações do campo (BRASIL, 2005).

4 1.1) definir, em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, metas de expansão das respectivas redes públicas de educação infantil segundo padrão nacional de qualidade, considerando as peculiaridades locais; (…)

1.10) fomentar o atendimento das populações do campo e das comunidades indígenas e quilombolas na educação infantil nas respectivas comunidades, por meio do redimensionamento da distribuição territorial da oferta, limitando a nucleação de escolas e o deslocamento de crianças, de forma a atender às especificidades dessas comunidades, garantido consulta prévia e informada; (…)

18.6) considerar as especificidades socioculturais das escolas do campo e das comunidades indígenas e quilombolas no provimento de cargos efetivos para essas escolas; (BRASIL, 2014).

5 Art. 12 A Ed. Básica no Campo deverá preferencialmente ser ofertada nas próprias comunidades rurais, evitando-se os processos de nucleação de escolas e de deslocamento de estudantes para fora de sua comunidade de pertencimento. (…)

§ 3º Quando os anos iniciais do ensino fundamental não puderem ser ofertados nas próprias comunidades das crianças, o processo de nucleação (intracampo) deverá garantir a participação das comunidades, especialmente as famílias das crianças, na definição do local, bem como na avaliação das possibilidades de percurso a pé pelos alunos, na menor distância a ser percorrida.

§ 4º Para os anos finais do Ensino Fundamental e para o Ensino Médio, integrado ou não à Educação Profissional Técnica, o processo de nucleação intracampo poderá constituir-se, desde que salvaguarde o diálogo, o respeito, os valores e a cultura das comunidades atendidas (MINAS GERAIS, 2015).

6 A análise dos dados revela haver recursos que não tem sido aplicado politicamente correto e os gestores públicos nos municípios se acomodam frente às políticas educacionais concentrando-as próximos dos centros administrativos. O resultado é o fechamento de 22.983 estabelecimentos de ensino da rede básica público no meio rural e 18.230 estabelecimentos urbanos, entre 2003 a 2010 (BRANDÃO; FERREIRA, 2012).

7 Como pode se observar nas Imagens 1 e 2 nos anexos.

8 “A análise indica que a concentração de alunos no meio urbano ofende os direitos básicos das crianças e adolescentes em idade escolar, trazendo prejuízos à própria identidade cultural, à aprendizagem e à formação e desenvolvimento cognitivo por perder a infância durante longos trajetos até os centros urbanos, unicamente para preencher critérios de conveniência das administrações municipais e estaduais, sem estudos científicos e sociais que comprovem as decisões” (BRANDÃO; FERREIRA, 2012).

9 Depoimentos obtidos em entrevistas com Maria da Piedade Gomes, vice-presidenta da associação comunitária do artesão de Sopa (COPART) e com Tulya da Cruz Santos, coordenadora Pedagógica da E. M. Prof.ª Ana Célia de Oliveira e experiências pessoais de Valdecí Raimunda Fernandes, aluna da LEC e moradora de Mendanha.