Uma história de resistência: a luta pela terra no Milton Santos

Parceiro: klaus Ramalho Von Behr28/11/2017

[Esta postagem faz parte do produto final da disciplina de Estágio em História (2o semestre de 2017) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) ministrada pela professora Dra. Camila Loureiro Dias no qual tem por objetivo apresentar uma brevíssima introdução sobre a luta pela terra no Brasil e no assentamento Milton Santos, incluindo a organização de um acervo digital que tem como objetivo preservar a memória da luta contra o despejo do assentamento Milton Santos ocorrido em Julho de 2012 a Janeiro de 2013 para que possa servir de fonte para futuras consultas. Esse material foi compartilhado pela assentada do Milton Santos Luciana Henrique da Silva a partir do que ela conseguiu reunir e que foram divididos em três grupos: jornalístico, jurídico e diversos]

 

História sobre a luta pela terra

A história da luta pela terra e sua desigual concentração no Brasil tem raízes profundas que remonta desde a chegada dos portugueses na América. Os donatários das respectivas captanias hereditárias, a partir da instituição da Sesmaria, tinham o poder de distribuir terras para a nobreza portuguesa que se interessasse em ocupar o novo território, expulsando, desta forma, os indígenas de suas terras nativas. Desde muito cedo o viés econômico se orientava pela monocultura, do açúcar até o café, com mão de obra escrava indígena e, predominantemente, africana. No século XIX, com a perspectiva do fim da escravidão no horizonte e a vinda dos imigrantes, foi criada a Lei de Terras que estipulava que a posse da terra só seria permitida mediante a compra e ao devido registro no cartório, o que dificultava o acesso à terra para as classes mais baixas, os recém libertos e os pobres imigrantes. É nesse contexto que aparecem lutas camponesas, por vezes de viés messiânico como Canudos e Contestado, e também nos conflitos do cangaço no sertão nordestino. Suas reinvindicações giravam, entre outras coisas, em torno da autonomia de ter sua própria terra para a subsistência. Foi apenas na Constituição de 1946 que aparece pela primeira vez a necessidade de se fazer uma reforma agrária no Brasil. É nesse período que surgem as Ligas Camponesas para se oporem ao grande latifúndio. Com o golpe militar de 1964, a repressão a essas ligas se intensificou culminando com seu fim. É nesse espírito de luta contra as injustiças seculares em torno da terra que surge nos anos 70 a Comissão Pastoral da Terra  e nos anos 80 o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra. Este, um dos maiores movimentos sociais do mundo, se organiza pela tática de ocupar terras griladas, fazendas improdutivas ou propriedades que não cumprem sua função social para forçar os agentes pública a assentá-los e promover assim a reforma agrária.

O assentamento Milton Santos

Formado em dezembro de 2005, o assentamento Milton Santos, localizado no município de Americana, no interior de São Paulo, é composto por sessenta e oito famílias de assentados totalizando cerca de 300 pessoas num espaço de 102 hectares. Sua história tem origens a partir de um trabalho de base do MST de Campinas e Limeira que reuniu por volta de 100 famílias sem terra para lutarem por seus direitos. A primeira ocupação ocorreu no mês de Novembro e por estarem próximo ao dia da Consciência Negra decidiram por homenagear o geógrafo brasileiro Milton Santos para intitular o nome da ocupação. Esta se deu no dia 12 de Novembro de 2005 sobre a Granja Malaquazzi, em Limeira, alegando que era uma granja falida, pendentes dos encargos trabalhistas, estando penhorada no poder da justiça. Contudo, em 7 de Dezembro, diante de uma liminar de reintegração de posse, os integrantes do movimento desocuparam a fazendo e no mesmo dia realizaram uma nova ocupação, agora na fazenda Santa Júlia, reivindicando sua improdutividade e descumprindo as funções sociais da propriedade. Mais uma vez uma liminar de reintegração de posse foi concedida. Os acampados não desocuparam o terreno, pois aguardavam uma decisão do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) se posicionar em relação a uma outra área para realizar o assentamento das famílias. No dia 23 de dezembro de 2005, depois de mais de um mês e meio acampados debaixo de chuva e ameaças de despejo, o INCRA organizou a retirada das famílias da fazenda Santa Júlia, acompanhadas pela Polícia Militar Rodoviária, até uma nova área definitiva em Americana. Entretanto, ao chegar no local a terra estava sendo arrendada pela Usina Ester para o plantio de cana-de-açúcar. O INCRA entrou com um processo de reintegração de posse com o argumento de que se tratava de uma terra pública confiscada em 1976 do Grupo Abdalla devido a dívidas com o fisco e incorporada ao INSS e entregue ao INCRA para fins de reforma agrária. Desde então um imbróglio jurídico intercalada por conflitos em relação ao uso da terra se arrastaria até os dias atuais.

(foto: João Zinclar – assentamento Milton Santos)


Uma história de luta contra o despejo no Milton Santos

(Julho de 2012/Janeiro 2013)

Em julho de 2012, com quase 7 anos devidamente assentados pelo INCRA/SP e desenvolvendo projetos com instituições públicas (como Universidades e a Embrapa) e produzindo mais de 300 toneladas de alimento para a região metropolitana de Campinas, o assentamento Milton Santos recebeu a notícia de ameaça de despejo. Em uma reunião no assentamento entre o INCRA e outros dois assentamentos da região no dia 2 de Outubro, as autoridades públicas garantiram aos assentados suas permanências e que em última instância a preservação da terra estaria garantida com o decreto de desapropriação por interesse social assinada pela presidenta Dilma Rousseff. Reuniões acontecerem com o gabinete da presidência mas nada além de promessas vagas. No dia 28 de Novembro, informados que a Justiça Federal teria autorizado a reintegração de posse, o assentamento decide agir para pressionar as autoridades. No dia 9 de Dezembro escrevem uma carta aberta convocando à luta e no dia seguinte ocupam com mais de 120 assentados a Secretaria da Presidência na Avenida Paulista. Depois de uma reunião com representantes do gabinete sem oferecerem garantias, os assentados se juntam a uma passeata no centro de São Paulo organizada pelo MST e seguiram, depois de 3 dias ocupados, de volta ao assentamento. Ainda não se sabe ao certo se o INCRA foi informado da reintegração de posse, mas sabe-se que a suspensão da liminar enviada pelo INCRA tinha sido negada. Com as más notícias e o aflito de logo serem despejados, no qual até as crianças e jovens eram alvos de chacota e preconceito nas escolas da cidade, organizam junto com o assentamento Elisabeth Teixeira uma paralisação da rodovia Anhanguera no dia 20 de Dezembro, com aproximadamente 150 pessoas, para dar visibilidade ao movimento e pressionar pelo decreto de desapropriação social. Depois de dois dias, acontece uma reunião no assentamento com o senador Eduardo Suplicy, o deputado federal Paulo Teixeira e o superintendente do INCRA/SP Wellington Diniz no qual tentam oferecer soluções. O tempo passava e com ele aumentava a ansiedade e a angústia da indefinição sobre suas terras. No dia 9 de Janeiro o INCRA foi oficialmente notificado da decisão judicial, o que significa que eles teriam 15 dias para desalojar os assentados para um outro local. Não era de interesse nem do INCRA nem dos assentados de se mudarem, já eram mais de 6 anos assentados no local onde Não era de interesse nem do INCRA nem dos assentados de se mudarem, já eram mais de 6 anos no local onde criavam raízes afetivas que possibilitava uma estabilidade em pensar no futuro depois de tanta luta no passado. Na semana seguinte, no dia 15 de Janeiro, decidem radicalizar a luta e ocupar com cerca de 100 assentados o prédio do INCRA em São Paulo decididos em voltar apenas com o decreto devidamente assinado. Nesse mesmo dia o prefeito de Americana vai até o assentamento oferecer soluções para problemas que não cabem à prefeitura resolver.  Uma nova possibilidade que se abre é uma liminar de embargo acionada pelo INSS. No dia 22, já há uma semana ocupados no INCRA e sem resolver o problema, um grupo de assentados vai até São José dos Campos participar da passeata em memória ao massacre do Pinheirinho e denunciar a injustiça que ocorre em Americana. Uma das preocupações centrais que rondava a questão do Milton Santos era a possibilidade de desapropriação de uma área já oficialmente assentada e que a partir dessa experiencia se abrisse precedentes de despejos para outros assentamentos em situações semelhantes. Nesse meio tempo de ocupação no INCRA um grupo de quatro pessoas se sensibilizaram pela causa e se amarraram em frente ao prédio da presidência e começaram uma greve de fome. No dia seguinte, 23 de Janeiro, a 2 dias para acabar o prazo estipulados pela justiça para o início da reintegração de posse, os assentados resolveram, em situação limite, dar o último passo de pressão que foi a ocupação também do Instituto Lula, a fim de que o ex-presidente pudesse fazer com que a Dilma assinasse o aguardado decreto de desapropriação por interesse social. Foi dessa maneira que conseguiram abrir um canal de comunicação direta com o presidente nacional do INCRA que teria entrado em contato com o poder judiciário e garantido que não haveria o despejo do assentamento. No dia 25, depois de dois dias ocupando o Instituto Lula e 10 dias ocupando o INCRA/SP os assentados resolveram voltar para Americana preparados para a última trincheira: a defesa no Milton Santos. Foi no dia 29 de Janeiro que o assentamento recebeu a notícia de que uma juíza do TRF proferiu uma decisão cautelar afirmando que haveria indícios de que a terra em disputa seria de propriedade do INSS e não da família Abdalla e, portanto, suspenderia o despejo contra o Milton Santos até averiguação da posse. O engodo jurídico permanece a mais de 4 anos.

 

(ocupação do prédio do INCRA em São Paulo)
(ocupação do INCRA em São Paulo, Janeiro de 2013; autor desconhecido)

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referências:
-SALIM, Aline. Pré-assentamento comuna da terra Milton Santos: história de vida, história de luta. Tese de conclusão de curso, Centro de ciencias exatas, ambientais e de tecnologias, Faculdade de Geografia, PUC/Campinas, 2007.
-conferir Material Jornalístico abaixo.
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ARQUIVO DIGITAL

 

Material Jornalístico

Aqui encontra-se o material jornalístico no qual o jornal on-line do coletivo Passa Palavra‭ cobriu o dia-a-dia da luta contra o despejo do assentamento Milton Santos. Nele há videos, manifestos, fotos, textos de outros coletivos e principalmente da Comissão de Comunicação do Assentamento Milton Santos.

https://wp.me/p5sCmS-sW

 

Material Jurídico

Aqui encontra-se o material jurídico referente aos processos que englobam o assentamento Milton Santos, a família Abdalla e a Usina Ester. Há documentos de cartório, certidões de propriedade, requerimento de vereador, arrendamento apresentado pela Usina Ester e material do blog “Consultório Jurídico” resumindo a questão jurídica trazendo outros documentos.

https://wp.me/p5sCmS-t8

 

Materiais Diversos

Aqui encontra-se um dossiê com anexos organizados no fim de 2011 pelo coletivo de Comunicação Regional do MST denunciando a grilagem de terras púbicas na região de Americana-SP feita pela Usina Ester; É um material que complementa e contextualiza a situação enfrentada pelo assentamento Milton Santos (material esse que dialoga com o material jurídico acima).

https://wp.me/p5sCmS-td