Dentre os vários impactos da cadeia produtiva do agronegócio, os de maior relevância para a saúde e ambiente são as poluições e intoxicações agudas e crônicas relacionadas aos agrotóxicos. Neste processo agroquímico dependente, os fazendeiros contaminam a lavoura, o produto, o ambiente, os trabalhadores rurais e a população do entorno com o objetivo de atingir o alvo ou as “pragas” da lavoura (inseto, fungo ou erva daninha), tratam-se de poluições intencionais e não “derivas” que culpa o clima ou o pulverizador (Carneiro et al.2012; Augusto et al.2012; Rigotto et al.2012).
O Brasil é um dos maiores produtores de alimentos, mas é o maior consumidor mundial de agrotóxicos e usou 828 milhões de litros (produto formulado) em suas lavouras em 2010 e Mato Grosso é o maior produtor de soja, milho, algodão e bovinos, porém é o campeão nacional de uso de agrotóxicos nas suas lavouras. Nesse estado com 141 municípios, 54 possuem grandes monoculturas, produzem 70% dos produtos agrícolas e consomem 70% dos agrotóxicos e fertilizantes químicos usados em suas lavouras e pastagens (IBGE 2011; INDEA 2011; SINDAG 2011).
Em 2010, Mato Grosso produziu 6,4 milhões de hectares de soja; 2,5 milhões de milho; 0,7 milhões de algodão; 0,4 milhões de cana; 0,4 milhões de sorgo; 0,3 milhões de arroz; 0,4 milhões de hectares de outros (feijão, mandioca, borracha, café, frutas e verduras) e 27 milhões de bovinos e consumiu cerca de 113 milhões de litros de agrotóxicos (produto formulado), principalmente de herbicidas, inseticidas e fungicidas (IBGE 2011; INDEA 2011; SINDAG 2011).
Um dos impactos do agronegócio foi avaliado em pesquisa-ação da UFMT e relatado em artigo e livro, dando inicio ao movimento popular que denunciou a “chuva” de agrotóxicos sobre a zona urbana de Lucas do Rio Verde (Pignati et al.2007; Machado 2008). Em 2006 quando os fazendeiros dessecavam soja transgênica para a colheita com paraquat em pulverizações aéreas no entorno da cidade, uma nuvem tóxica foi levada pelo vento para a cidade e dessecou milhares de plantas ornamentais e 180 canteiros de plantas medicinais da cidade e dessecou as plantas de 65 chácaras de hortaliças do entorno da cidade. Desencadeou surto de intoxicações agudas em crianças e idosos (Pignati et al.2007; Machado 2008).
Aqueles 54 municípios citados, possuem processo produtivo agrícola e situação de saúde e ambiente semelhantes e por amostragem se escolheu Lucas do Rio Verde e Campo Verde como representativos deles para se realizar pesquisas dos impactos dos agrotóxicos na saúde e ambiente. Os dados e amostras foram coletados, analisadas e demonstraram resultados semelhantes nos dois municípios, porém relataremos algumas conclusões sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde e ambiente em Lucas do Rio Verde. Este município contava com 37 mil habitantes, IDH de 0,818 (3° do MT) e produziu em 2010 cerca de 420 mil hectares entre soja, milho e algodão e consumiu 5,1 milhões de litros de agrotóxicos (produto formulado) nessas lavouras, principalmente de herbicidas, inseticidas e fungicidas (IBGE 2011 e INDEA 2011).
Durante os anos de 2007 a 2010 se realizou em Lucas do Rio Verde, esta pesquisa citada acima, da UFMT e FIOCRUZ, coordenada por Moreira et al (2010) que em conjunto com professores e alunos de 04 escolas, sendo uma escola no centro da cidade, outra na interface urbana/rural e duas escolas rurais se avaliaram alguns componentes ambientais, humano, animal e epidemiológico relacionados aos riscos dos agrotóxicos. Os dados coletados demonstraram:
a) exposição ambiental/ocupacional/alimentar de 136 litros de agrotóxicos por habitante durante o ano de 2010 (Moreira et al.2010; IBGE 2011; INDEA 2011; Moreira et al.2012);
b) as pulverizações de agrotóxicos por avião e trator eram realizadas a menos de 10 metros de fontes de água potável, córregos, de criação de animais e de residências, desrespeitando o antigo Decreto/MT/2283/09 que proibia pulverização por trator a 300 metros ou o atual Decreto/MT/1651/13 que proibi pulverização por trator a 90 metros destes locais e desrespeito à Instrução Normativa do MAPA 02/2008 que proibi pulverização aérea a 500 metros destes locais;
c) contaminação de resíduos de vários tipos de agrotóxicos em 83% dos 12 poços de água potável (escolas e cidade) e contaminação com agrotóxicos de 56% das amostras de chuva (pátio das escolas) e de 25% das amostras de ar (pátios das escolas) monitoradas por 02 anos (Moreira et al.2010; Dos Santos et al.2011; Moreira et al.2012);
d) presença de resíduos de vários tipos de agrotóxicos em 88% das amostras de sangue e urina dos professores daquelas escolas, sendo que os níveis de resíduos nos professores que moravam e atuavam na zona rural foi o dobro dos professores que moravam e atuavam na zona urbana de Lucas do Rio Verde (Moreira et al.2010; Belo et al. 2012);
e) contaminação com resíduos de agrotóxicos (DDE, Endosulfan, Deltametrina e DDT) de 100% das amostras de leite materno de 62 mães que pariram e amamentavam em Lucas do Rio Verde em 2010 (Palma 2011);
f) presença de resíduos de vários tipos de agrotóxicos em sedimentos de duas lagoas, semelhantes aos tipos de resíduos encontrados no sangue de sapos, sendo que a incidência de malformação congênita nestes animais foi quatro vezes maior do que na lagoa controle (Moreira et al.2010; Moreira et al.2012). Outro estudo de exposição de glifosato e 2.4D em minhocas também observaram malformações e mortes da espécie (Correia e Moreira, 2010);
g) as incidências de agravos correlacionados (acidentes de trabalho, intoxicações, cânceres, más-formações e agravos respiratórios) aumentaram entre 40% a 102% nos últimos 10 anos, com nível 50% acima da incidência estadual destes anos (Moreira et al.2010; DATASUS 2011; Fávero 2011; Pignati e Machado 2011, UecKer 2012, Oliveira 2012). No estado, as maiores incidências estão nas regiões de Sinop, Tangará da Serra e Rondonópolis (Cunha2010; Oliveira2012; Curvo 2013).
h) não estava implantada nos Serviços de Saúde do município, a Vigilância em Saúde dos Trabalhadores e nem das Populações Expostas aos Agrotóxicos. Na Agricultura, a Vigilância se resumia ao uso “correto” de agrotóxicos e recolhimento de embalagens vazias sem questionar aonde foram parar os seus conteúdos (Moreira et al.2010);Para manter aquele esforço produtivo humano e ambiental imposto pelo agronegócio e por falhas no controle social e
falhas na fiscalização pública, a população do “interior” de Mato Grosso convive com a poluição por agrotóxicos e são vítimas dos agravos à saúde, dos danos ambientais e da poluição da bacia do Amazonas e Araguaia, semelhante à poluição também constatada no Pantanal por Miranda (2008) e Calheiros (2008).
Nesse processo social, lideranças popular/sindical e alguns pesquisadores foram e são “pressionados” por gestores públicos e pelo agronegócio para recuarem com as denúncias e ações populares no Ministério Público. Porém vários “afetados” resolveram caminhar com apoio na academia e nos movimentos pela justiça socioambiental na busca do desenvolvimento sustentável e na transição agro ecológica de agricultura no estado e no Brasil. Além disso, sugerimos medidas urgentes: cumprimento da legislação, proibir as pulverizações por avião, proibir o uso no Brasil dos agrotóxicos proibidos na União Europeia, fim dos subsídios públicos à esses venenos, implantar nos
municípios as Vigilâncias à Saúde dos trabalhadores, do ambiente, dos expostos aos agrotóxicos e do Desenvolvimento.
Referências Bibliográficas:
1 – Augusto; Carneiro; Pignati; Rigotto. Dossiê II: Agrotóxicos e ambiente; 135p; 2012;www.abrasco.org.br
2 – Belo MSS; Pignati W; Dores EGC; Moreira JC; Peres F. Uso de agrotóxicos na produção de soja do estado de Mato Grosso: um estudo preliminar de riscos ocupacionais e ambientais. Rev.bras.saúde ocup.vol.37, n.125, 2012.
3 – Carneiro; Pignati; Giraldo; Rigotto. Dossiê I: Agrotóxicos e alimentos; 98p; 2012;www.abrasco.org.br
4 – Correia FV; Moreira JC. Effects of glyfhosate and 2.4-D on earthworms (Eisenia foetida) in laboratory tests. Bull Environ Contam Toxicol; (2010), v. 85, p. 264-268; 2010.
5 – Cunha, MLON. Mortalidade por câncer e a utilização de pesticidas no estado de Mato Grosso. [Dissertação de Mestrado], São Paulo: Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo, 2010.
6- Curvo, HRM; Pignati WA; Pignatti, MG. Morbi mortalidade por câncer infantojuvenil associada ao uso agrícola de agrotóxicos no Estado de MT- Brasil. Rio de Janeiro, Cadernos de Saúde Coletiva, 21(1): 10-17, 2013.
7- Dores EF; Calheiros DF. Contaminação por agrotóxicos na bacia do rio Miranda, Pantanal (MS). Revista Brasileira de Agroecologia: vol. 3, Suplemento 202, ano 2008.
8- Dos Santos, L ; Lourencetti, C ; Pinto, A ; Pignati, WA ; Dores, EF . Validation and application of an analytical method for determining pesticides in the gas phase of ambient air. Journal of Environmental Science and Health. Part B, v. 46, p. 150-162, 2011.
9 – Fávero, KAS. Pulverizações de agrotóxicos nas lavouras de Lucas do Rio Verde e os agravos respiratórios em crianças menores de 05 anos. [Dissertação de Mestrado], Cuiabá: UFMT/ISC, 2011.
10 – IBGE. Brasil, série histórica de área plantada e produção agrícola; safras 1998 a 2010. Disponível em <http://www.sidra.ibge.gov.br>. Acessado em mar. 2011.
11 – INDEA. Instituto de Defesa Agropecuária de Mato Grosso. Relatório de consumo de agrotóxicos em Mato Grosso, 2005 a 2010. Banco eletrônico. Cuiabá: INDEA–MT; 2011.
12 – Machado, P. Um avião contorna o pé de jatobá e a nuvem de agrotóxico pousa na cidade. MS/ANVISA, 2008.
13 – Miranda K; Cunha MLF; Dores EF; Calheiros DF; Pesticide residues in river sediments from the Pantanal Wetland, Brazil; Journal of Environmental Science and Health, B (2008) 43, 717-722.
14 – Moreira; Peres; Pignati; Dores. Avaliação do risco à saúde humana decorrente do uso de agrotóxicos na agricultura e pecuária na região Centro Oeste. Brasília: Relatório de Pesquisa CNPq 555193/2006-3, 2010.
15 – Moreira; Peres; Simões; Pignati; Dores; Vieira; Strussmann; Mott. Contaminação de águas superficiais e de chuva por agrotóxicos em uma região de Mato Grosso. Ciência & Saúde Coletiva: 17(6), 2012, 1557-1568.
16- Oliveira NP. Malformações congênitas e o uso de agrotóxicos em municípios de Mato Grosso, 2000 a 2009. [Dissertação de Mestrado]. Cuiabá, UFMT/ISC, 2012.
17 – Palma, DCA. Agrotóxicos em leite humano de mães residentes em Lucas do Rio Verde – MT. [Dissertação de Mestrado], Cuiabá: UFMT/ISC, 2011.
18 – Pignati, WA; Machado, JMH; Cabral, J F. Acidente rural ampliado: o caso das “chuvas” de agrotóxicos sobre a cidade de Lucas do Rio Verde. Ciência & Saúde Coletiva, v. 12(1), 2007, p. 105-114.
19 – Pignati, WA; Machado, JMH. O agronegócio e seus impactos na saúde dos trabalhadores e da população de MT. In: Gomez (Org.). Saúde do trabalhador na sociedade brasileira contemporânea. RJ: Fiocruz; 2011; p 245-272.
20 – Rigotto RM et al. Dossiê III: Agrotóxicos: construindo a ecologia de saberes. 245p; 2012;www.abrasco.org.br
21 – Uecker ME. Exposição aos agrotóxicos no Mato Grosso e malformações congênitas em menores de 05 anos atendidas em Hospitais de Cuiabá. [Dissertação de Mestrado]. Cuiabá, UFMT/ISC, 2012.
22 – Leis dos Agrotóxicos: Brasil/lei 7.802/89; Brasil/lei 9974/2000 e Mato Grosso/lei 8.588/2006; e Regulamentações: Brasil/decreto 4.074/02; Brasil/MAPA/IN 02/2008 e Mato Grosso/decretos 2.283/09 e 1.651/2013.
Colaboradores: Mestrandos do ISC, Química e Biologia da UFMT; Professores e alunos da Escola E. Dom Bosco, Sind.Trab.Rurais (STRLRV), SMS e SMAA de Lucas RioVerde; MPE-MT; CEREST-MT; INDEA-MT e FASE.