Carregado de humor negro e ironia, o curta-metragem de Jorge Furtado Ilha das Flores (1989) nos conta, usando de uma linguagem quase científica, o caminho percorrido por um tomate.
Ele é colhido na cidade de Porto Alegre pelo senhor Suzuki, que o entrega para o supermercado em troca de dinheiro. Lá, ele é adquirido, também em troca de dinheiro, pela dona Anete, que pretende utilizá-lo no almoço de sua família. Entretanto, ela julga que um destes tomates não tinha condições de virar molho, e portanto o joga no lixo. Esse tomate é levado então para um terreno na Ilha das Flores, um dos locais onde são depositados o lixo da cidade de Porto Alegre. Os empregados do dono do terreno separam o material orgânico que deve ser dado de alimento aos seus porcos, os materiais orgânicos que não são considerados próprios para o consumo dos porcos, como o caso deste tomate, são deixados de lado. Então, são abertas as portas do terreno para que grupos de mulheres e crianças possam recolher esses materiais orgânicos rejeitados pelos porcos, que usarão como alimento.
Uma questão atravessa todo o filme: o que significa ser “humano”? Logo no início temos uma resposta, de caráter científico: “o ser humano é um mamífero bípede, com o telencéfalo altamente desenvolvido e polegares opositores. Essas características permitiram que os humanos desenvolvam, entre outras coisas, a agricultura, que torna possível a cultivação do tomate. Para facilitar as trocas que se dão entre os cultivadores do tomate, como o senhor Suzuki, e aqueles que desejam se alimentar dele, como a dona Anete, se criou o dinheiro.
Usando de seu telencéfalo altamente desenvolvido, dona Anete é capaz de julgar se o tomate é próprio para o consumo. O porco não possui essa capacidade, e nem polegares, mas ele tem um dono (com telencéfalo altamente desenvolvido) que é capaz de decidir por ele. Entretanto, as mulheres e crianças, que possuem o telencéfalo altamente desenvolvido, mas não tem nenhum dinheiro com o qual comprar o próprio alimento, não tem a luxúria dessa decisão; para eles resta se contentar com os tomates que foram rejeitados pelos porcos.
As mulheres e as crianças possuem o tal telencéfalo altamente desenvolvido e os polegares opositores, o que os torna humanos, pela definição nos dada no começo do filme. Mas, mesmo assim, eles estão abaixo dos porcos na hierarquia de preferência pelos alimentos, pois esses pelo menos possuem um dono. Ou seja, O filme mostra que, na sociedade capitalista, baseada nas trocas de mercadorias por dinheiro, com o objetivo de gerar lucro, aqueles que não possuem dinheiro estão abaixo. É a capacidade de realizar trocas, e não os polegares ou os telencéfalos, que define a humanidade dentro do sistema capitalista, que mercantilizou a vida em si.
Assista ao curta-metragem completo:
Ficha técnica:
Direção e roteiro: Jorge Furtado
Gênero: Ficção
Duração: 13 minutos
Ano: 1989