Dando sequência ao dossiê Embates na Publicação Pública em 2016, segue abaixo mais um texto do material. Produzido por estudantes da LEC-UFVJM, “A greve e a LEC-UFVJM” focaliza em suas reflexões as particularidades de uma Licenciatura em Educação do Campo no contexto de uma greve docente a partir da situação específica vivida no contexto da UFVJM.
A greve e a LEC-UFVJM
Alessandra Gomes Rodrigues, Emanuela Raymunda de Souza Miranda, Iarla Pereira dos Santos, Valdineia Pereira dos Santos e Vitor Moreira dos Santos.
O ano de 2016 foi marcante para o Brasil pelos momentos críticos vividos na esfera política. Além da alteração na presidência ocorrida como resultado de um impeachment, houve mudanças que desagradaram muitos brasileiros, como a Medida Provisória (MP) 746 e a Proposta de Ementa à Constituição (PEC) 55. Para Carlos Leonardo Cunha (2016), essa última, apresentada como uma solução para o país sair da crise, tem como um dos focos o congelamento de gastos nas áreas da previdência, saúde e educação durante 20 anos. Já a MP 746 vem com o intuito de fazer uma reforma no ensino médio e, entre outras propostas, torna o ensino de Espanhol facultativo, além aumentar a carga horária de ensino, apostar no tempo integral e possibilitar que o ensino médio seja profissionalizante.
A partir desse cenário, várias instituições de ensino, incluindo as universidades federais, resolveram se mobilizar para impedir a aprovação dessas medidas. Particularmente, os docentes da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), em assembleia no dia 31 de outubro de 2016, decidiram entrar em greve por dois motivos principais: a tramitação da PEC 241 – que, no Senado, passou a ser a PEC 55 – e as pactuações não cumpridas do MEC em relação à UFVJM. A partir da greve dos docentes da UFVJM e da situação crítica em que o país se encontrava, os discentes do curso de Licenciatura em Educação do Campo (LEC) resolveram se mobilizar e apoiar a greve, buscando fortalecer a luta contra a aprovação das medidas que, do ponto de vista dos estudantes, só iriam prejudicar o ensino no Brasil.
A greve docente impactou o curso de Licenciatura em Educação do Campo de um modo específico, diferente das outras graduações da UFVJM. Os representantes dos estudantes desse curso chegaram a enviar uma carta de apoio à greve e estavam dispostos a manter a postura de paralisação das atividades firmada por eles, porém não foi suspenso o calendário acadêmico específico da LEC. Como resultado de decisão em assembleia docente geral, decidiu-se que apenas algumas atividades do curso seriam paralisadas. A greve da universidade foi finalizada no dia 14 de dezembro de 2016, antes mesmo de iniciar o período de Tempo Universidade (TU) da LEC, o qual consiste principalmente em um período intensivo de aulas presenciais no Campus de Diamantina para os estudantes do curso. Durante o período em que ocorreu a greve, os demais cursos tinham o apoio de muitos dos discentes da LEC, que acreditam que se é unindo forças que se chega a conquistar algo, e que é através de lutas que se pode chegar a uma vitória.
Como a LEC se posicionou diante da greve?
Diante de todo esse cenário da greve, optamos por buscar informações com diversos sujeitos da LEC, tais como docentes, estudantes, representantes da coordenação e do colegiado do curso. A partir disso, procuramos entender esse momento de paralisação momentânea dentro da UFVJM.
De início, é importante ressaltar que a greve não foi um movimento realizado no interior da LEC, mas sim algo dos docentes e discentes da universidade. O objetivo maior de qualquer mobilização é que as pessoas sejam movidas a refletir e lutar pela garantia de direitos. Neste sentido, houve um grande avanço na UFVJM. A LEC, por exemplo, foi citada e debatida várias vezes nas assembleias docentes, o que fortalece o curso institucionalmente, na medida que mais docentes o conhecem. O coordenador da LEC na ocasião, André Rodrigo Rech, acredita que houve ganho também na inserção da universidade na realidade diamantinense, pois os professores, especialmente os que estavam no comando de greve, visitaram bairros da cidade e apresentaram as consequências da PEC e da MP do ensino médio às populações periféricas de Diamantina.
Outro ponto a se destacar é que o movimento paredista não foi unânime entre os docentes da LEC: cinco professores dos doze em exercício no curso manifestaram a não adesão ao movimento. Com os estudantes, a realidade foi um pouco diferente. Apesar de informarem que não entregariam os trabalhos, não declararam oficialmente à coordenação que estavam em greve. Além disso, os discentes da LEC aderiram à paralisação bem depois que outros estudantes já haviam paralisado suas atividades e ocupado prédios da universidade, como a reitoria. Mesmo com este cenário de adesão parcial, as atividades do curso foram impactadas. O comitê de ética da universidade decidiu que o próprio curso deveria informar quais atividades eram vistas como essenciais. Em resposta, o colegiado do curso, em reunião, definiu como essencial de se manter durante a greve apenas o Tempo Universidade de janeiro e as atividades inerentes a ele.
Para Maiara Alcântara de Oliveira, representante discente no colegiado do curso, ter apoiado a greve a partir desse local institucional foi importante como forma de incentivar os demais alunos na busca por seus direitos. Porém, ela sentiu falta da atuação dos movimentos sociais, que historicamente ajudaram na construção da Licenciatura em Educação do Campo na UFJVM. Ressaltou que o curso em si surgiu através de luta e mobilização como uma forma de alcançar direitos. De certa forma, para ela, não houve greve dos discentes na LEC, considerando que os estudantes não tiveram uma atuação significativa no processo. Mas também ressaltou que houve a participação de estudantes em mobilizações ocorridas em algumas comunidades e mesmo na cidade de Diamantina.
Para ela, os discentes do curso precisariam de uma maior organização para, de fato, lutar por demandas coletivas no colegiado do curso. Apontou como um ponto de insatisfação nesse processo a falta de esclarecimentos, por parte de docentes e demais sujeitos da universidade, sobre a mobilização aos estudantes da LEC – que moram, em sua maioria, nas mais diversas comunidades rurais de Minas Gerais, portanto afastados de Diamantina e das discussões presenciais sobre a greve. Ponderou, ainda, que os alunos não devem esperar decisões do corpo docente para ter alguma iniciativa. Em grande parte dos casos, as informações sobre a paralisação teriam chegado a ela e a muitos estudantes por meio de redes sociais e sites na internet.
Do ponto de vista administrativo, no entanto, um período de greve é sempre danoso na medida em que se sobrecarrega funções como a de coordenação de curso e se prejudicam todos os planejamentos previstos no calendário acadêmico. Levando em conta que a coordenação, enquanto órgão institucional, não se mobiliza, os coordenadores em exercício na ocasião, apoiadores da greve, chegaram a colocar seu cargo à disposição. Afinal, o docente que está na coordenação só pode paralisar as atividades relativas a essa função se solicitar a saída do cargo. O próprio colegiado do curso, no entanto, em diálogo e concordância com os coordenadores, entendeu que a manutenção da coordenação no cargo seria o melhor para o momento. Então pode-se dizer que a coordenação não aderiu ao movimento grevista, mas foi atingida pelo mesmo.
Quais os posicionamentos de alunos da LEC diante da greve?
Se parte dos alunos da UFVJM tiveram papel central no fortalecimento da greve, também é verdade que muitos podem não ter entendido satisfatoriamente o contexto no qual estavam inseridos. No contexto específico da LEC, procuramos entender, por meio de entrevistas semiestruturadas, se os estudantes se sentiram inseridos nesse momento e como eles enxergaram a greve dentro do curso.
Williasmar de Sousa Silva possui 20 anos de idade, reside na comunidade Padre João Afonso, e está no 5° módulo na área de ciências da natureza do curso da LEC. Foi apoiador da greve na UFVJM. Por morar longe de Diamantina, não acompanhou presencialmente as discussões na UFVJM, obtendo informações através das redes sociais. Como não pôde comparecer nas reuniões ocorridas na sede da universidade, realizou junto a outros estudantes da LEC mobilizações e manifestações pacíficas em sua região como atividade do programa institucional PIBID-Diversidade, do qual participa. Assim, pôde discutir em uma escola de Itamarandiba-MG as ações do governo Temer e as possíveis consequências das medidas em tramitação no período. Já Mateus Felipe, estudante do terceiro semestre do curso, aponta que não ficou sabendo ao certo, na ocasião, os motivos que levaram à greve. Devido à distância de sua moradia em relação à Diamantina, o acesso à informação se deu através de redes sociais e e-mails, o que não teria sido suficiente para acompanhar o debate. Entende que, por este motivo, não houve mobilizações e nem discussões acerca do tema em sua comunidade.
A aluna Valdeci Raimunda, moradora da comunidade Medanha, distrito de Diamantina e estudante da LEC do módulo III, entende que a LEC entrou em greve por acompanhar a decisão de paralisação da própria UFVJM. Como sua comunidade é distrito de Diamantina, a estudante acompanhou o debate de perto. Além disso, convidou uma professora da universidade para realizar uma palestra em uma escola de sua comunidade sobre as razões da greve. Valdeci foi uma das poucas estudantes da LEC que teve a oportunidade de participar ativamente nas mobilizações na cidade de Diamantina, participando dos diversos eventos em prol da greve. Para a discente, a greve nunca é boa, queria ela que os direitos fossem respeitados para que não fosse necessário interromper os estudos dos alunos. Entretanto, diante do cenário político apresentado, a estudante defende que só restava lutar e se mobilizar.
Nosso balanço: prós e contras da greve no contexto da LEC
Pontos positivos |
Pontos negativos |
Atuação do movimento estudantil reconhecida pela UFVJM. |
Falta de comunicação entre os alunos e docentes da UFVJM. |
Participação de docentes da LEC na greve. |
Calendário acadêmico da LEC prejudicado. |
A importância de discussões para o fortalecimento da consciência política. |
Perderam-se algumas atividades de retorno das disciplinas. |
Maior entendimento levado às comunidades dos alunos da LEC que realizaram mobilizações. |
Não houve um tempo para os docentes planejarem atividades extras para o TU. |
Reivindicação dos diretos e deveres dos cidadãos. |
Discussões importantes do curso foram paralisadas (moradia, alimentação, projeto político-pedagógico). |
O que se percebeu do cenário posto é que há um longo caminho de lutas pela frente. E quem decide pelo compromisso por uma sociedade minimamente digna e justa tem o dever de se organizar para a luta contra todas as formas de precarização dos serviços públicos e contra todas as formas de retirada de direitos.
Referências bibliográficas
CUNHA, Carlos Leonardo. Artigo: A PEC 55/2016 (PEC 241/2016): ecos e reflexos para a Enfermagem Brasileira. Diponível em: < http://www.corenma.gov.br/2015/artigo-a-pec-552016-pec-2412016-ecos-e-reflexos-para-a-enfermagem-brasileira/ >. Acesso em: 18 de julho de 2017.