Artigo publicado na revista Cadernos de Ciência e Tecnologia v. 35, n. 2 (2018).
(Autores: Marcelo Vaz Pupo, Márcia Maria Tait Lima, Bruno Lacerra de Souza, Kellen Maria Junqueira e Janaína Welle)
A vida no campo e na Agroecologia proliferam signos, códigos e
linguagens próprias que permanecem ausentes para o conjunto da sociedade.
A comunicação tem o papel de principal mediadora das relações sociais e da
percepção da realidade, em que novas maneiras de experimentar e de organizar
o mundo são criadas. As disputas concretas e materiais (como as que se dão em
torno das questões ambientais e da produção de alimentos) passam pelo campo
simbólico, pela produção de cultura e pela produção e difusão de sentidos, as
quais são estratégicas para a construção e fortalecimento de propostas contra-
-hegemônicas.
Compreender que as disputas também se dão no campo simbólico faz
que haja outra postura diante do que é dito e de como algo é dito. Para pensar
o estético e o político em termos contra-hegemônicos, partiu-se de algumas
contribuições de sociólogos, educadores e filósofos que inspiraram as ações
e projetos em torno da Plataforma Sementeia. Assumiu-se, como propõe
Rancière (2009, p.33), que “a política é essencialmente estética, ou seja, está
fundada sobre o mundo sensível”, pois essa compreensão permite afirmar que
a participação política só é democrática se a multiplicidade de manifestações é
incentivada. Paulo Freire, em Extensão ou Comunicação , ao estudar a semântica
da palavra “extensão” e preocupado com a relação dialógica entre o agrônomo
e o camponês, lembra que linguagem e política direcionam as ações pelo que
chama de “força operacional dos conceitos” (Freire, 1975, p.23)
Santos evoca um pensar crítico diante dos modos de produção de ausência
ou “monoculturas” (Santos, 2002, 2013) que estruturam a racionalidade
moderna e as ciências sociais. A monocultura do saber e do rigor ou monocultura
do saber científico, segundo o autor, contrai o presente e as práticas sociais ao
eliminar da realidade o que fica fora das concepções científicas, por exemplo,
as baseadas nos conhecimentos populares, indígenas e camponeses. Essa
monocultura do rigor:
Ao constituir-se como monocultura (como a soja), destrói outros conhecimentos,
produz o que chamo de ‘epistemicídios’: a morte de conhecimentos alternativos.
Reduz a realidade porque ‘descredibiliza’ não somente os conhecimentos
alternativos, mas também os povos, os grupos sociais cujas práticas são
construídas por estes conhecimentos alternativos. (Santos, 2013, p.29).
PROCESSO CRIOULO DE PRODUÇÃO SIMBÓLICA
O campo de disputa simbólica envolvido no conflito produção para o
agronegócio × produção agroecológica apresenta componentes importantes
diretamente relacionados à mobilização das organizações. As experiências com
as trajetórias das comunidades camponesas e movimentos sociais populares têm
mostrado que existe uma necessidade de ampliar o diálogo com um público
mais abrangente, de forma que sua luta e resistência social possam ser vistas,
ouvidas, inspirando reflexões e ações. A ação social coletiva dos movimentos
organizados do campo materializa um significado específico para “agricultura”
e para a produção alimentar. Na Agroecologia (como movimento, campo de
conhecimentos e prática da agricultura) também está presente a preocupação
com a produção autóctone de sentidos, construção horizontal de conhecimentos
(troca de saberes), e valorização das culturas locais e camponesas. Estes aspectos
da Agroecologia estão correlacionados com a produção e difusão de mensagens
e signos pelos processos de comunicação.
Os esforços são para que os movimentos sociais populares e camponeses
possam criar suas próprias narrativas e que os profissionais que atuam na
comunidade criem narrativas em parceria com os movimentos, atentos à
linguagem e à construção de um processo dialógico, em que todos aprendam
e ensinam, construindo os significados e interpretações para o mundo em uma
perspectiva diversa. Finalmente, objetiva-se que encontrem na Sementeia um
espaço para difusão e visibilidade de suas produções e de compartilhamento
de experiências e processos
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