Embates na Educação Pública em 2016: Contextualizando politicamente a PEC 55

Parceiro: Olhares do Campo17/11/2017

Dando continuidade à publicação do dossiê Embates na Publicação Pública em 2016, segue abaixo o segundo texto do material: Contextualizando politicamente a PEC 55. Produzido por graduandos da Licenciatura em Educação do Campo – UFVJM, é uma análise da PEC 55 enquanto uma medida politicamente alinhada com a proposta do governo vigente. Procura, a partir disso, contextualizar que visão política estaria relacionada à PEC, buscando também trazer alguns aspectos da presença e da história dessa visão no contexto da América Latina.

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Contextualizando politicamente a PEC 55

Eliane Maria Pires; Ingrate Taiz Ferreira, Fransciele dos Reis, Maura Rodrigues

 

 

A Proposta de Emenda Constitucional 55 (PEC 55) pode ser entendida como uma medida neoliberal que compõe o programa de governo Michel Temer, uma coalizão comandada, ao menos no período da greve docente de 2016, pelos partidos PMDB e PSDB. O neoliberalismo é uma doutrina político-econômica que, no Brasil, foi derrotada nas últimas eleições presidenciais de 2014 e teve certa decadência na América Latina na década de 2000. Trata-se de um projeto desenvolvido nos anos Reagan e Tatcher, na década de 80, por grandes potências capitalistas como EUA e Inglaterra. A partir do Consenso de Washington (reunião entre grandes empresários e setores do governo americano), em 1989, tal doutrina se espalhou pelo mundo.

A PEC 55, que possui um grande índice de rejeição, prevê o congelamento de gastos do governo em áreas como a saúde e a educação por 20 anos, a fim de atender um estreito segmento da população que detém o poder econômico. Segundo críticos, o congelamento de gastos poderá desmantelar conquistas que levaram décadas para se concretizarem no campo da educação. Ao analisar a PEC como uma retomada das propostas neoliberais, podemos então relembrar que medidas similares eram propagadas pelas mídias latinoamericanas nos anos 90 como sendo a solução para os mais graves problemas que tais países enfrentavam, algo que os conduziriam ao rumo do desenvolvimento. O neoliberalismo pregava juros altos, controle da inflação, privatizações de estatais para combater desigualdades sociais. Tais receitas econômicas, impostas por credores como o FMI, visavam atrair investimento estrangeiro e prometiam se livrar da corrupção e da suposta incompetência do Estado. No entanto, na ocasião, as taxas de desemprego explodiram e as desigualdades sociais aumentaram.

Em 1998, Hugo Chávez Frias venceu as eleições presidenciais da Venezuela, apresentando um plano de governo alternativo às diretrizes neoliberais hegemônicas. Esta foi a primeira derrota do modelo no continente na década de 90, que deu início a uma onda de governos progressistas em diversos países: Brasil, Argentina, Paraguai, Bolívia, Equador, Uruguai, Nicarágua e outros.

O que está em curso na atual conjuntura na América Latina é uma pressão de retomada do projeto neoliberal, após a onda de governos progressistas, o que resulta em medidas como a PEC 55. Na Argentina, esta retomada se deu por vias eleitorais e o atual presidente Macri vem implementando o neoliberalismo em sua mais pura expressão. Em Honduras, Paraguai e Brasil, a retomada do neoliberalismo se deu através da derrubada, sem embasamento jurídico legítimo, de governos eleitos. Os demais países assistem a suas economias serem internamente sabotadas por oligarquias locais, além de sofrerem pressões e campanhas de desestabilização política ligadas a grupos da mídia oligárquica, partidos e grupos civis de direita financiados pelo empresariado.

Trajetória da Educação no Brasil e a PEC 55

Analisando o projeto público de educação no Brasil, podemos dizer que ele tem oscilado entre altos e baixos. Em 1998, o presidente reeleito Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, dentro do modelo neoliberal, conforme prometido em campanha, implementou o programa Avança Brasil – Mais quatro anos de desenvolvimento para todos, que teve mais fracassos do que acertos na área da educação. A educação infantil foi a única “menção honrosa” do programa. Ensinos fundamental, médio, superior e EJA, por sua vez, ficaram no meio do caminho. O programa não cumpriu duas das principais promessas de campanha: a de elevar em pelo menos 70% o número de concluintes do ensino fundamental e a de ampliar o ensino fundamental obrigatório para nove séries, com início aos seis anos de idade. Apesar da criação do Fies – Financiamento ao Estudante de Ensino Superior, criado em 1999, os programas educacionais de ensino começavam buscando seguir as metas pretendidas, porém rapidamente perdiam as forças. Foi também neste governo a aprovação do Plano Nacional de Educação – PNE, um plano que define diretrizes, estratégias e metas para a educação durante 10 anos. Fruto de uma luta de movimentos sociais de educação, o PNE, mesmo implementado, não conseguiu atingir plenamente as expectativas desse grupo: exigia-se 7% do PIB para educação, porem o governo só cedeu 4%.

A partir de 2003, o quadro nacional se altera. O Partido dos Trabalhadores – PT derrota a política neoliberal nas urnas em 2002 e elege Luiz Inácio Lula da Silva como Presidente da República. Durante o mandato, houve uma democratização da educação através da implementação de novos programas, da ampliação de outros e, ainda, do aumento de recursos públicos para a área. Este governo colocou em prática várias mudanças, como o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), a reforma do ensino fundamental, o novo Enem a reforma universitária – que engloba programas e medidas provisórias como o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) e o Programa Universidade para Todos (PROUNI), entre outras. Em 2002, houve um significativo aumento no orçamento do Ministério da Educação, de 20 para 70 bilhões (2010)1. Mesmo com tanto avanço no sistema educacional, o governo Lula também deixou a desejar em alguns setores, como por exemplo, em relação à alfabetização de jovens e adultos.

Ao fim do segundo mandado de Lula, em 2010, mais uma vez o PT vence as eleições de forma democrática e elege a presidenta Dilma Roussef, que colocou como prioridade de sua gestão a educação, com o lema “Pátria Educadora” e tendo como bandeira principal o programa “Ciências sem Fronteiras”. Durante o seu mandato, a presidenta realizou vários investimentos em vários níveis de ensino. Destinou os recursos do Pré-sal para o setor da educação, na expectativa que os recursos ultrapassassem R$ 1 trilhão. Dilma também sancionou o Plano Nacional de Educação, com investimento previsto de 10% do Produto Interno Bruto. Na educação profissional teve destaque a criação do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego, que criou mais de 8 milhões de vagas. Foram criados também mais de 600 cursos técnicos e profissionalizantes a fim de viabilizar recursos humanos para os setores econômicos. Ainda em seu mandato, o Exame Nacional do Ensino Médio – Enem bateu o recorde de inscrições e democratizou o acesso de estudantes às universidades federais, estaduais e aos institutos de tecnologia por meio do Sistema de Seleção Unificada – Sisu. O Ciência Sem Fronteiras garantiu a mais de 80 mil brasileiros bolsas para estudo nas melhores universidades do mundo. O mandato de Dilma durou até agosto de 2016, após sofrer impeachment.

Houve um nítido avanço durante o governo do PT, com os presidentes Lula e Dilma, na área da educação. Mais investimentos e consolidações que vieram de um plano político consolidado e da grande pressão dos movimentos populares da educação. Por outro lado, a doutrina neoliberal representada sobretudo pelo programa político do PSDB foi derrotada em quatro eleições consecutivas pelo programa reformista do PT. O choque neoliberal, portanto, só consegue se concretizar no Governo do então vice-presidente Michel Temer, após o processo de impeachment que destitui a Presidenta Dilma Roussef. É nesse contexto que se dá a implantação da PEC 55.

PEC 55 e a Imprensa Internacional

As medidas da PEC 55 repercutiram em toda imprensa internacional, com críticas significativas às consequências previstas de sua implementação. O jornal britânico The Guardian, por exemplo, apontou na ocasião que “A PEC 55 reforça os temores de que o governo direitista de Temer vai empurrar o Brasil de volta à sua posição histórica entre os países mais desiguais do planeta”2, reputação que vinha sendo revertida. Já a Radio France Internationale viu a medida como uma imposição do novo governo: “As Nações Unidas ressaltaram que há um problema referente à democracia, já que o programa do novo presidente Michel Temer, que chegou ao poder após a destituição de Dilma Rousseff, jamais foi submetido às urnas”. Durante o processo de tramitação da PEC 55 houve muita tensão em todo o país: mobilizações por todo o Brasil em forma de greves, paralizações, manifestações, abaixo-assinados. Movimentos sociais, grupos de esquerda e comissões em vários âmbitos (regionais, estaduais, nacionais) se organizaram coletivamente para protestar contra essas medidas do governo Temer. De uma forma geral, o entendimento desses grupos é o de que a PEC 55 acarreta prejuízos sociais não só para o campo da educação, mas para todos os setores do país. Isso, pensando que a educação é a ferramenta principal para o desenvolvimento de uma nação e que sua defasagem prejudica não só os dias atuais, mas sim toda uma geração futura.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAPITAL, Carta. Economia. Entenda o que está em jogo com a aprovação da Pec55.19/12/2016 Disponível em: < http://www.cartacapital.com.br/economia/entenda-o-que-esta-em-jogo-com-a-aprovacao-da-pec-55>. Acesso em 28. jan 2017.

PIOLLA, Gilmar. Aprendiz. O que o governo FHC fez e deixou de fazer pela educação. Disponível em: < http://www2.uol.com.br/aprendiz/n_colunas/g_piolla/id180702.htm >. Acesso em 26 jan 2017.

BATISTA, Paulo Nogueira. O Consenso de Washington. A Visão Neoliberal dos Problemas Latino-Americanos. Ed. Consulta Popular. Caderno n°7. 1999.

MONCAU, Gabriela; NAGOYA, Otávio. Associação Brasileira Mantenedora de Ensino Superior. Educação: Avanços e Retrocessos do Governo Lula. Revista Caros Amigos. 19/11/2010. Disponível em < http://blog.abmes.org.br/?p=1318> Acesso em 26. Jan 2017.

1Informação online sem paginação.

2Informação online sem paginação.